Não apenas sobre os Decreto 11.466/2023 e 11.467/2023

2023-04-19 19/04/2023

A pauta do saneamento básico não se deve ater apenas a quem são ou devem ser os prestadores de serviços, se públicos ou privados. Muito se tem afirmado que para atingir as metas de universalização é necessária a participação do setor privado e que o valor dos investimentos para a universalização chega à ordem de 700 bilhões. Esta diferença entre o que o Estado pode investir e o que deve ser investido é o que os alemães chamam de “reserva do possível” ou não podemos querer do Estado o que ele não tem como atender. No nosso caso os recursos públicos e privados devem ser complementares, pois nem o setor público e nem o setor privado têm condições de sozinhos chegar em 2.033 com as metas da Lei 14.026/2020 atendidas. Mas para que se possa no mínimo almejar que os investimentos aconteçam é necessário que o setor tenha regras claras, permanentes e com forte controle social. Em suma, que haja confiança de que se possa chegar aos resultados esperados.

Para isso ser verdade algumas coisas precisam ser revistas e consolidadas fora da disputa pelos serviços e até para que a concorrência prevista na Lei possa efetivamente ocorrer. Não podemos esquecer que o setor de saneamento é um monopólio natural e a água potável um direito humano.

Pois então, muitos aspectos estruturantes ainda precisam ser definidos e muito por falta de clareza da Lei 11.445/2007, alterada pela Lei 14.026/2020, e outro tanto por falta de interesse das partes envolvidas. Trataremos de alguns deles, pois certamente haverá outros.

Planos de Saneamento: sem eles não se terá a visão de futuro do setor e nem se poderá estabelecer uma programação de CAPEX e OPEX que seja compatível com suas metas. Foi estabelecido um prazo de elaboração para eles até 31/12/2024. Mas será suficiente para que eles se realizem, a perda de acesso aos recursos da União? O que deve ser prioridade da União é aportar seus recursos para que os planos se realizem ao invés da política de punir a inadimplência.

Regionalização: sendo este o instrumento que serve para definir a escala econômica ótima da prestação dos serviços e com isso garantir a modicidade tarifária deve ser dado um prazo para que os Estados realizem uma revisão obrigatória onde a adesão foi baixa ou onde nem mesmo ela foi legalmente constituída. Como a adesão dos Municípios é voluntária deve haver a obrigação de ser apresentada a metodologia usada pelo Estado para definir as Unidades Regionais, com vistas a possibilitar aos Municípios uma adesão consciente de que a alternativa apresentada lhes foi a mais favorável dos pontos de vista técnico, administrativo e econômico.

Regulação: É mais que sabido que a ANA tem dificuldades para sozinha elaborar as Normas de Referência. Tanto que no ano de 2022 nenhuma NR foi produzida. Pugnar por um reforço temporário aos recursos atuais da ANA é uma prioridade para que ela possa elaborá-las em curto prazo. Refazer contratos sem ter as regras regulatórias definidas é no mínimo um ato de imprudência. Também estabelecer novas regras de nomeação dos conselheiros é importante para dar confiança e mais independência ao modelo regulatório pretendido.

Financiamento: o Governo Federal faz uma aposta na capacidade de execução de obras pelas companhias públicas e autarquias. Para isso terá que abrir recursos orçamentários para o setor. No passado o PAC colocou recursos que não chegaram a ser executados nem no montante contratado. Boa parte destes recursos não tinham o prévio empenho e foi dificultada a sua liberação por alegados problemas de projeto. Para que esse fato não se repita há a necessidade de se ter previamente um mecanismo que garanta o valor alocado e de que os contratos de financiamento sejam adequadamente gerenciados. Um banco de Investimentos é o mais recomendado para gerenciar esses recursos. Se queremos a universalização em 10 anos não se pode ficar na promessa e no gerenciamento entravado dos recursos.

PPPs: que a nova regulamentação venha logo e que traga mecanismos de garantias capazes de alavancar novos projetos.  

Gestão de contratos: com os contratos de concessão os titulares ficam com a responsabilidade de acompanhar o desempenho dos contratados, de criar os órgãos fiscalizadores exigidos pela Lei 11.445/2007 e de aplicar as penalidades previstas em contrato. Serão os municípios isoladamente ou agrupados que terão estas responsabilidades já apontada pela TCU como um objeto das futuras Tomadas de Conta. Quais são os municípios que já estão suficientemente estruturados para exercerem estas atividades? Não deveria ter uma linha de recursos não reembolsáveis para que os municípios pudessem estruturar estas nem tão novas atribuições?

Saneamento rural: a lei 14.026/2020 diz que nas unidades Regionais o prestador será único para as áreas urbanas e rurais. É necessário que se defina uma estratégia para a área rural e para os povos tradicionais.

Tarifas e subsídios: uma vez regionalizado os serviços o princípio do subsídio cruzado fica embutido na tarifa, mas isso não significa que as famílias de baixa renda tenham capacidade de pagamento. Formas de garantir o acesso aos serviços de água e esgotamento sanitário devem ser discutidas e definidas sob pena das redes públicas passarem pela frente das casas e ter quem furte água ou não se ligue no esgoto.

Enfim, muito se tem discutido sobre quem deve prestar os serviços e muito pouco de como se poderá garantir sua disponibilidade, acessibilidade física, qualidade, aceitabilidade, e acessibilidade econômica.

 

Eng. Flávio Ferreira Presser

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